A Florida olha para o seu relógio. São as sete.
Ainda? pensa. Será que não funciona? Desde que entrou no carro do comissário
Santos, parece-lhe que passou uma eternidade. Mas os ponteiros parecem parados,
o tempo decidiu a andar mais devagar, justamente quando deveria correr, voar
como um furacão.
- A senhora está bem? pergunta-lhe o
comissário.
- Sim, estou bem. Que horas são?
- São as sete. Falta meia hora.
Então, o relógio funciona. Meia hora. Trinta
minutos. Mil oitocentos segundos. Uma eternidade. E os ponteiros mostram as
sete e um.
Como decidiu falar ao comissário, não sabe
explicar, como não sabe se fez bem ou mal. Os raptores disseram para ela não
implicar a Polícia. O seu menino está em perigo.
- Não se preocupe, diz o comissário como
se estivesse a ler o seu pensamento. Os nossos agentes já estão no lugar onde
os raptores disseram que iam deixar o seu filho. Quando o virem, avisam-nos de
seguida.
O comissário explicou-lhe o plano cem
vezes. Quando os raptores apanharem o saco com o dinheiro, eles vão segui-los
para depois os prender. Entretanto, os policías que estão no lugar onde os
raptores disseram que deixariam o Joãozinho, vão apanhá-lo e conduzi-lo ao
posto de Polícia, onde vai esperar para a sua mãe. Tudo irá sobre rodas, como
disse o comissário. Mas ela duvida.
Sete e cinco.
Como estará o seu menino? Mais magro,
certamente. Como o terão tratado aquelas pessoas? No telefone não se ouviu bem.
Parecia muito assustado, pobrezinho! Vinte e cinco minutos mais, que martírio!
- Lopes, tudo bem? pergunta o comissário no
rádio.
«zzz......cr..cr...aqui Lopes....cr...tu....bem...cr....cr...zzzzz....»
ouve-se no rádio. «....inda não .....pareceu....guém. Tudo.....quilo...cr....»
- Repita, por favor, diz o comissário.
«...cr...não apareceu......guém...»
- Entendido. Muito bem, continue.
À estas horas já é noite e não se vê bem. Aliás,
a noite é muito escura. A lua parece ter escondido para não ver. Por outro
lado, a rua não tem muito tráfico, nem passam muitas pessoas. Não será muito difícil
localizar o raptor, ou será?
- A senhora quer um café? pergunta o
comissário. Ainda temos tempo.
- Não, obrigada. Estou bem.
Está bem? Tem dor de cabeça. Os
pensamentos dentro do seu cérebro são como um enxame de moscas, ou melhor, como
um enxame de vespas, que a picam continuamente.
Sete e dez.
Se pudesse fechar os olhos e abri-los outra
vez às sete e meia!
Quem disse que quando passamos bem o tempo
voa, mas quando enfrentamos uma situação desagradável, tudo parece durar mais?
Pois, aquela pessoa tinha razão.
Então, deve fingir que passa bem. Deve
pensar numa coisa agradável. Imagina que a meia hora já passou, tudo correu
bem, e ela está no posto da Polícia onde está o Joãozinho. «Aqui está», dizem-lhe.
«Abra a porta».
Abre a porta. O Joãozinho está lá, sim,
não lhe mentiram. Está lá, com os seus cabelos de trigo e os seus olhos azuis.
Quando a vê, ele corre aos seus braços. Que felicidade! Além dos seus braços, encheiou-se
o seu coração também. Não quer deixá-lo. «Mãe!» diz o menino. «Estamos juntos outra
vez!» «Sim, meu querido», diz ela. «E vamos ficar juntos para sempre!»
Entra o comissário. «Pois», diz, «a senhora
viu que não tinha de preocupar-se? Tudo foi bem, exactamente como o tínhamos
planeado». «Sim, senhor, muito obrigada», responde ela. «Não sei como agradecer-lhe».
«Não é preciso fazer nada. Só fizemos o nosso trabalho. Agora pode voltar para sua
casa. Passe bem e tenha um ano novo muito feliz». «Igualmente. Que Deus lhe bendiga.»
Vão para casa. Lá, o Joãozinho vê o pacote
que está na sua cama. «Ó, mãezinha, o que é isto?» «Bom, filhinho, isto é o teu
presente para o ano novo». «Mas ainda é cedo. O pai Natal não chegou. Faltam tantos
dias.» «Pois, este ano, só para ti, fez uma excepção. Trouxe-te o teu presente mais
cedo». «Que bom!» diz o Joãozinho e começa a abrir o pacote. «O que é? O que é?»
O Joãozinho despedaça o papel e aparece o carro vermelho. «Um carro vermelho!»
diz o menino e fica com a boca aberta. «E é novo, não é?» «Sim, meu querido» diz
a Florida. «É novo e é para ti». «Obrigado, mãezinha!» diz o Joãozinho e
abraça-a com ambas as mãos.
- Atenção, diz o comissário. Uma pessoa
está a aproximar-se do contentor. Todos prontos!
São as sete e trinta e dois. Por entre a
escuridão, uma sombra move-se com cuidado para o contentor. Não se vê. As luzes
dos carros estão apagadas.
A sombra pára um minuto. Depois, abre o
contentor e apanha um saco. Será o saco com o dinheiro. A sombra vai-se embora.
A Florida não ouve nada. O seu coração
bate tão forte que sente que todos podem ouvi-lo, incluso a sombra. «Silêncio»,
pensa.
- Peixinho, não o perca.
«Sim, comissário, cr...cr.. se preocupe», ouve-se
no rádio.
- Onde vai?
«Há um carro.... ul. Parece que .... uma
pessoa. Sim, entra ....carro azul!»
- Entra no carro azul, disse?
«cr...sim»
- Vamos, diz o comissário.
Mas, naquele mesmo momento, um camião pára
em frente do carro do comissário Santos.