Como foi isto possível ninguém sabe dizer
exactamente. Somente podemos imaginar. O mais provável foi que em algum momento
o Joãozinho deixasse a mão da sua mãe sem dar conta, quando estava a olhar,
maravilhado, por todo o lado, e depois com toda esa multidão que ia e vinha é
também provável que não lhe fosse possível encontrar a mão materna outra vez.
Olhou por cá, olhou por lá, chamou o nome dela, mas não havia nem rasto da
Florida. A verdade é, claro, que a Florida não desapareceu, mas não estava no
posto certo, e por isto foi que nem ela nem ele podiam encontrar-se.
Os olhos do Joãozinho enceiaram-se de
lágrimas e a sua visão tornou-se turva, piorando a situação. Muito pronto, o
nosso amigo perdeu toda esperança de encontrar a sua mãe. Foi então quando
apareceu o homem do rabo de cavalo.
- O quê está a acontecer, menino?
perguntou sorrindo para ele.
- Perdi – a – mi – nha – mã – ãe, respondeu ele
entre soluços.
- Já sabia eu que eras tu, disse o homem.
A tua mãe mandou-me para te levar a ela. Está aqui perto, numa loja de
brinquedos, adicionou mostrando com a sua mão direita. Tinha um anel de oiro no
dedo pequeno. Ora, deixa de chorar. Vamos para ela. Vai.
O Joãozinho secou os seus olhos e olhou
para o homem. Era alto, moreno e muito magro, e tinha os olhos pequenos e muito
escuros. Usava óculos redondos e tinha o cabelo comprido, como já dissemos.
Usava calças de ganga e botas de pele. Tinha também algumas rugas ao lado da
boca e ao lado dos olhos.
Não
parecia ser uma pessoa má. Pelo contrário, era simpático e parecia ser muito
sério, talvez por causa dos óculos redondos. O homem sorriu outra vez. Os seus
dentes eram brancos. Estendeu a sua mão do anel para o Joãozinho a pegar.
- Pega na minha mão, disse, para não te perderes
na multidão.
O anel estava a reflectir as luzes acesas
que estavam por cima deles.
Ora vocês já estão a gritar para ele não
pegar na mão do homem, porque são meninos espertos e sabem muito bem que um
menino não deve fiar de nenhuma pessoa que não conhece bem. Mas o Joãozinho,
coitadinho, estava tão preocupado pela sua mãe que não podia pensar claramente.
Então, estendeu a sua mãozinha e pegou na
mão do homem do rabo de cavalo. Era uma mão áspera e um bocadinho fria. O homem
apertou a mão do Joãozinho e começou a andar com passos grandes. O Joãozinho
começou a correr, para poder seguí-lo. Viu as lojas que passavam frente aos
seus olhos e a gente que se abria para os dois poderem passar, e a música do
local estava a misturar-se com o barulho da gente, e o nosso amigo pequeno
sentiu-se confundido. Mas não disse nada. Só pensava na sua mãe, que
seguramente estaria muito preocupada por ele.
- Aonde vamos? só teve tempo para perguntar.
- Não te disse? À tua mãe.
Um guarda gordo estava na entrada.
- Vem por aqui, disse o homem ao Joãozinho
e puxou-o para a direcção oposta.
Já estavam fora do centro comercial. Mas,
onde estava a sua mãe? Teria ido tão longe? O homem repetia continuamente «por
aqui» e continuava a andar depressa. Passaram muitas lojas, alguns cafés e uma
loja de brinquedos e entraram numa rua estreita sem muitas luzes. Não havia
muita gente lá.
O Joãozinho começou a pensar mais
claramente. A sua mãe não gostava dos lugares escuros, e muito mais quando era
de noite. Aliás, não havia lojas naquela zona. Seria que aquele homem lhe
tivesse mentido? Procurou libertar-se mas a mão do homem era como uma tenaz.
- Largue-me! disse, mas o homem nem reparou. Largue-me!
repetiu.
Foi então quando o homem o ouviu.
- Mas já chegamos, disse. A loja fica a dois
passos de aqui.
- É mentira! gritou então o Joãozinho. A
minha mãe não está aqui. O senhor mentiu!
O homem parou e voltou para ele, sem
soltar a sua mãozinha.
- Olha aqui, menino, disse e a sua voz
tornou-se rouca, vem comigo como menino bom, ou sei eu muito bem como fazer-te
vir comigo sem mais. Estamos?
O Joãozinho sentiu muito medo do homem,
talvez por causa da sua voz, que parecia vir do estômago da terra, se a terra
tivesse estômago. Sentiu muito mais medo do que sentiria se ouvisse vinte
trovões juntos.
- Mexe-te, disse o homem.
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