Foram para um carro que estava estacionado
ao lado de um contentor de lixo. O carro parecia vazio, mas quando o homem
abriu a porta, o Joãozinho viu que havia condutor.
- Entra, disse o
homem e empurrou o menino para dentro do carro. Entra, repetiu.
- Ó, Maestro, tardaste muito, disse o condutor.
- Achas que é fácil? perguntou-o o homem. Pára com
as brincadeiras. Anda, vamos, que não quero perder mais tempo.
- Este é o menino?
Olhou-o através do espelho.
- Parece fraco, adicionou.
- Tu não te metas nisto. O teu trabalho é
conduzir. Anda, disse o Maestro.
Parecia zangado.
- Tu és quem sabe melhor, sim senhor,
disse o condutor. Mas não gosto deste menino. Tenho certeza que vai levar-nos
problemas, ou o meu nome não é Passarinho.
- A ti não te pagam para pensar.
- Só disse...
- E não te pagam para dizer a tua opinião. Conduz!
O Passarinho arrancou o motor e começaram
a correr pelas ruas da cidade. Todo este tempo o Joãozinho estava a observar o
Passarinho. E o Passarinho era tudo o contrário daquilo que significava o seu
nome. Era gordo, calvo e tinha grandes bigodes. Embora fosse inverno, usava uma
camisa de manga curta e o seu braço desnudo era cheio de cabelos. Tinha também
um dente de oiro e usava um anel grande no dedo pequeno.
O Joãozinho, que era um menino
inteligente, pensou que devia procurar memorizar o caminho e, então, deu
atenção às imagens da cidade que passavam rapidamente frente aos seus olhos.
Mas não era nada fácil. Primeiro, era já
noite e as ruas eram muito escuras. Segundo, o menino não conhecia a cidade e
não podia reconhecer nada. Terceiro, era bastante tarde e o miudo tinha vontade
de dormir. Porém, decidiu combater o sono e procurou manter os seus olhos bem
abertos.
Passaram por ruas onde as casas pareciam
iguais. Eram casas velhas, com azulejos nas façadas, mas sem nada especial.
Passaram fora de uma igreja, e foi então que o Joãozinho deixou a sua tarefa
durante unos minutos para rezar. Pediu a Deus para o salvar e para proteger a
sua mãe, que já agora estaria como louca pela preocupação. Naquele momento
ouviram-se os sinos da igreja e o nosso amigo, como normalmente fazemos todos
em tais casos, pensou que isto era um sinal que mostrava que Deus tinha ouvido
a sua reza. Claro, ninguém pode garantir que as coisas eram assim, mas ele
sentiu-se melhor.
O carro corria por ruas escuras e
tranquilas. O Maestro não olhava fora nem falava, tinha toda a sua atenção
virada para o Joãozinho.
- Atenção, disse de repente ao Passarinho.
Corre, mas há limites de velocidade. Ou queres que nos apanhe a polícia das
estradas?
- Perdão patrão, disse o Passarinho.
Distraí-me. Estava a pensar na minha mulher. Disse que me vai deixar.
- Não me digas! disse o Maestro, mas era
evidente que estava a falar com ironia, quer dizer que falava como se se
importasse, mas era evidente que não se importava nada. Escuta, filho, tu és
quem devia ter terminado este matrimónio. A tua vida não tem nada a ver com a
vida de uma pessoa de família. A família faz mal a pessoas como tu e como eu,
porque põe limites e a gente como nós precisa de libertade absoluta para viver.
Menos mal, então, que a tua mulher tomou a decisão certa, já que tu
evidentemente não podias. Tu, tranquilo, disse ao Joãozinho, que tinha mexido
um bocadinho.
- É fácil falar assim quando uma pessoa
não tem filhos. Mas eu tenho um filho, esqueceste? Se ela me deixar, vai levar o
meu filho com ela, e não vou ver o meu pequeno Tomás nunca mais.
- E que queres que faça? Preferes ter o
teu filho contigo? Que tipo de vida vai ter? Que tipo de pessoa vai ser? Ou
pensas que tu e eu somos pessoas exemplares para a sociedade? Deixa o menino. Talvez
tenha mais sorte longe de ti.
Ficou pensativo.
- Olha, eu também podia ter família. Não
me faltaram as oportunidades. Porém preferi viver sozinho para não levar mais
gente ao chamado «mau caminho». Tu foste débil, mas agora tens a oportunidade
de arranjar tudo. Deixa a mulher. Finge que nunca existiu. Finge que o filho
não é teu. É melhor para ele. Para ti também.
- E agora este trabalho, disse o
Passarinho. Na próxima vez, por favor, escolhe outra vítima. Um homem ou uma
mulher. Não mais crianças. Dói-me o coração.
- Tu não és homem, disse o Maestro e cuspiu no ar.
A conversa terminou. O Joãozinho sentiu
compaixão para o Passarinho. Em fim, o homem tinha coração. Encuanto que o
outro... De repente viu a sua mãe, que lhe estava a dizer «Todos têm coração,
meu amor. Nunca te esqueças». Por pouco chamou-a, mas deu conta que a sua mãe
estava na sua imaginação e parou. Uma lágrima caíu na sua face.
- Isto é o que faltava! disse o Maestro.
Pára de chorar, as lágrimas não te vão salvar. Ó, Passarinho, olho na rua,
desgraçado! Queres matar-nos?
Silêncio caíu dentro do carro. O Joãozinho
perdeu toda esperança de voltar a ver a sua mãe. Já tinha passado muita hora
desde quando tinham partido. Parecia que estavam a chegar às fronteiras do
país.
- Por fim, disse o Maestro de repente.
Pensei que não chegávamos nunca.
Devagar e com os farois apagados, entraram
numa garagem. O Maestro saíu do carro e disse ao Joãozinho para ele sair
também. O Passarinho ficou dentro. Disse que ia comprar alguma coisa para
comerem.
- Compra alguma cerveja também, disse-lhe
o Maestro e empurrou o menino para uma porta de metal.
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