quinta-feira, 7 de novembro de 2013

20. Um testemunha fundamental

O pequeno Carlos acabou a sua comida e agora está no salão, a brincar com o seu boneco favorito, um ursinho fofo, de peliça branca, que se chama Nevinho. O ursinho é o seu melhor amigo. A ele confia tudo. É uma pena que o ursinho não possa falar, mas mesmo assim, o Carlos percebe muito bem o que o ursinho diria se pudesse falar.
Hoje o dia parece muito bonito. Que te parece um posto ao lado da janela, Nevinho? Claro que gostas da ideia. Vamos, então.
Com alguma dificuldade, já que há somente três dias que conseguiu andar, o pequeno Carlos levanta-se e vai para a janela, arrastando o Nevinho com ele. Aqui fica-se bom, não é? Que dia tão bonito!
Ouve-se a campainha. Alguém está na porta. Quem será?
- Bom dia, senhora, diz uma voz masculina. Eu sou comissário Santos.
- Bom dia, comissário. Aconteceu alguma coisa? pergunta a mãe do Carlos.
- Não, não se preocupe, só queria fazer-lhe algumas perguntas.
O pequeno Carlos vai gatinhando para a sua mãe.
- Passe, diz a mãe ao comissário.
Sentam-se no salão. O comissário parece enorme. Que barrigão! Parece um balão, não é assim, Nevinho?
- A senhora viu por acaso esta criança? É maior do que nesta fotografia e tem mudado os dentes da frente.
- É-dé-dé, diz o Carlos. Deixem-me ver.
- Não, não o tenho visto, diz a mãe.
- A senhora tem certeza? Deve estar aqui perto. O menino foi raptado há alguns dias e ontem foi visto neste bairro.
- Eu-eu. Da-da-da. Eu sei, diz o Carlos. Vi-o. Po.
- O que há, tesouro? pergunta a mãe. Fica tranquilo um bocadinho e a mãezinha vai levar-te ao parque, está bem?
- Ó-ó-ó.
- Pelo menos notou algum homem desconhecido neste bairro?
- Á-á-ó. Do-do. Be-be-be. O homem era alto, moreno e muito magro e tinha um rabo de cavalo, porque tinha o cabelo cumprido. Usava óculos redondos e tinha um anel no dedo pequeno. Eu vi. I-i-i. Da-da-da. Bo.
- Sim, querido, diz a mãe, vamos ao parque. Sim, mas agora deixa a mãezinha falar com o senhor comissário, está bem?
- Ba-ba-ba. Foi lá fora onde o vi. Na rua. Ua.
O Carlos levanta a mãozinha para mostrar onde estava o homem.
- Sim, querido, vamos lá fora, diz a mãe. Mas espera um bocadinho.
- I-i. Du-du-du. Depois veio um outro homem num velho carro azul escuro, e levou o homem do rabo de cavalo e o menino. Justamente cá fora. Cá-cá.
- Emergência, querido? Queres ir à casa de banho, meu amor? pergunta a mãe. Não te preocupes, vamos agora mesmo.
- Se a senhora ver o menino, por favor avise a Polícia, diz o comissário e levanta-se do sofá. Eis o meu cartão de visita. Pode telefonar directamente a mim.
- Desapareceram de seguida. Ba-ba-bu.
- Pois claro.
- Bom dia, senhora.
- Ó-ó. Da-da-da.
- Bom dia a ti também, diz o comissário ao pequeno Carlos.
A porta fecha. O comissário vai-se embora e a mãe vai para a casa de banho, levando o Carlos pela mãozinha.
- Vamos à casa de banho, então, diz, e depois vamos vestir-nos para ir ao parque. O meu Carlinho está muito falador hoje, não é? O que aconteceu? Gostaste do senhor comissário?
- Ba, diz o Carlos. Deixa-estar.
O menino não está nada satisfeito. Hoje falou tanto como não tinha falado em toda a sua vida, mas ninguém reparou. Quando for grande, pensa, tudo será diferente. Porque, obviamente, ninguém repara em nós, os pequenos, não é assim, Nevinho? Mas quando for grande, todos vão ver. Da-da-du.

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