terça-feira, 12 de novembro de 2013

22. Clientes novos



O Joãozinho estava outra vez no quarto sem janelas. Não sentia nem bem nem mal. Claro, estava contente porque, pelo menos, tinha ouvido a voz da sua querida mãe, mas, por outro lado, estava preocupado pelo resgate. Onde ia encontrar dinheiro a sua mãe, para os dois homens o deixarem livre? Ele sabia muito bem que a Florida não tinha dinheiro. Isto significava que não o deixariam nunca? O nosso amigo sentiu-se como se tivesse caído num poço profundo.
No quarto contíguo, o Maestro estava com a cabeça apoiada na sua mão. Isto significava que o Maestro estava a pensar, e quando ele pensava, nunca pensava em coisas boas.
- Ó, Maestro, disse o Passarinho, já é hora de comer.
- Tu não podes pensar em outra coisa?
- Desculpa lá, mas quando tenho fome não posso pensar em nada mais. É a lei da natureza.
- É a lei da natureza que também te faz dizer bobagens?
- Não digo bobagens, não senhor. É hora de comer e isto é um facto. Ao contrário, tu pareces muito preocupado sem razão alguma.
- Achas?
- Pois acho. Não há nada para me preocupar, não é? Já temos o dinheiro do casal, e muito pronto vamos ter o dinheiro da mãe também. Então, muito pronto teremos montes de dinheiro e cada um vai onde quizer.
- Quantos anos tens?
- Porquê?
- Porque pensas como se fosses um menino de dez anos!
- Mas, porquê?
- Pensaste o que vai acontecer se a mãe realmente não tem dinheiro, como me disse? Vamos correr o risco de ser apanhados pela Polícia, sem ganhar absolutamente nada.
- Mas tu disseste-lhe para não avisar a Polícia...
- E como tens certeza que ela vai fazer o que eu lhe disse?
- Pois, quer voltar a ver o seu filho, penso...
- Sim, claro, mas nunca se sabe. Nós temos de estar preparados para tudo. Aliás, se não tem dinheiro, não podemos ganhar nada. Então, temos de pensar num plano alternativo.
- Eu, como dizes, não sirvo para nada...
- E por isto eu já pensei no plano alternativo que precisamos. Vamos vender o menino a um outro cliente.
- Já encontraste?
- Ainda não, mas já fiz alguns contactos...
- Quem é?
- Ouviste alguma vez falar do Talho?
- Do cirurgião?
- Do cirurgião, sim.
- Pois não somente ouvi falar dele mas conheci-o na prisão. Ele estava lá por não ter pago impostos durante três anos, se bem me lembro. Eu estava lá por ter robado um carro. Ele ficou lá um ano e meio, eu fiquei três anos. Obviamente, o advogado dele era melhor do que o meu.
- Obviamente. Mas não penses que não teve consequências. Conseguiu sair da prisão cedo, sim, mas foi despedido pelo hospital onde trabalhava, e agora não o aceitam em nenhum hospital do país.
- Não me digas que ele é o cliente.
- Claro que não. Encontrei-o por acaso ontem e falámos um bocadinho. Ele vai trazer-nos em contacto com o cliente.
- Quem é o cliente, então?
- É estrangeiro, isto é a única coisa que sei dele.
- E que vai fazer com o menino?
- Queres saber mesmo?
O Passarinho não disse nada, mas fez sinal com a cabeça para o Maestro continuar. Ele olhou para a porta do quarto onde estava o Joãozinho, depois voltou para o Passarinho.
- Bom, disse. Vou dizer-te, mas tu não sabes nada, ouviste? O Talho não sabe que não trabalho sozinho.
- Não te preocupes. Vou manter a minha boca calada.
- No mundo há muitas pessoas que morrem, mas que podiam ser salvas se pudessem receber uma transplantação. Mas, para haver uma transplantação, há de haver órgãos disponíveis. E, sabes onde se encontram os órgãos disponíveis? Em pessoas que morrem nos hospitais. Mas as pessoas que morrem nos hospitais não chegam para todas as pessoas que precisam transplantações. Aliás, há pessoas muito ricas que pagariam muito dinheiro para encontrar um órgão disponível e que têm o dinheiro para pagar...
- O que estás a dizer? disse o Passarinho. Estás a falar do mercado negro de órgãos humanos? Vais vender o menino para lhe arrancarem os órgãos? Não posso acreditar nos meus próprios ouvidos!
- Tu querias saber...
- Não, disse o Passarinho, desculpa lá, isto não o vou permitir! Sou muitas coisas: ladrão, impostor, raptor, sim, mas assassino, não!
- Não sejas dramático! Nós somente vamos vendê-lo...
- Às pessoas que vão matá-lo! Não vou deixar-te vender o menino àquelas pessoas. Se precisar, eu mesmo vou a Polícia!
- Escuta aqui, imbecil, se não quizeres participar, a porta está aberta para ti. Posso trabalhar sozinho, não te preocupes. Mas...
Houve silêncio no quarto.
- Mas, continuou o Maestro, se avisares a Polícia, fingindo que és um cidadão honesto, podes ter a certeza que o teu pequeno Tomás...
O Passarinho sentiu como se uma pedra enorme lhe apertasse o coração.
- Digamos que o teu pequeno Tomás vai ficar pequeno para sempre, disse o Maestro. Estamos?

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