O Joãozinho estava outra vez no quarto sem
janelas. Não sentia nem bem nem mal. Claro, estava contente porque, pelo menos,
tinha ouvido a voz da sua querida mãe, mas, por outro lado, estava preocupado
pelo resgate. Onde ia encontrar dinheiro a sua mãe, para os dois homens o
deixarem livre? Ele sabia muito bem que a Florida não tinha dinheiro. Isto
significava que não o deixariam nunca? O nosso amigo sentiu-se como se tivesse
caído num poço profundo.
No quarto contíguo, o Maestro estava com a
cabeça apoiada na sua mão. Isto significava que o Maestro estava a pensar, e
quando ele pensava, nunca pensava em coisas boas.
- Ó, Maestro, disse o Passarinho, já é
hora de comer.
- Tu não podes pensar em outra coisa?
- Desculpa lá, mas quando tenho fome não
posso pensar em nada mais. É a lei da natureza.
- É a lei da natureza que também te faz
dizer bobagens?
- Não digo bobagens, não senhor. É hora de
comer e isto é um facto. Ao contrário, tu pareces muito preocupado sem razão
alguma.
- Achas?
- Pois acho. Não há nada para me
preocupar, não é? Já temos o dinheiro do casal, e muito pronto vamos ter o
dinheiro da mãe também. Então, muito pronto teremos montes de dinheiro e cada
um vai onde quizer.
- Quantos anos tens?
- Porquê?
- Porque pensas como se fosses um menino
de dez anos!
- Mas, porquê?
- Pensaste o que vai acontecer se a mãe
realmente não tem dinheiro, como me disse? Vamos correr o risco de ser
apanhados pela Polícia, sem ganhar absolutamente nada.
- Mas tu disseste-lhe para não avisar a
Polícia...
- E como tens certeza que ela vai fazer o
que eu lhe disse?
- Pois, quer voltar a ver o seu filho,
penso...
- Sim, claro, mas nunca se sabe. Nós temos
de estar preparados para tudo. Aliás, se não tem dinheiro, não podemos ganhar
nada. Então, temos de pensar num plano alternativo.
- Eu, como dizes, não sirvo para nada...
- E por isto eu já pensei no plano
alternativo que precisamos. Vamos vender o menino a um outro cliente.
- Já encontraste?
- Ainda não, mas já fiz alguns
contactos...
- Quem é?
- Ouviste alguma vez falar do Talho?
- Do cirurgião?
- Do cirurgião, sim.
- Pois não somente ouvi falar dele mas
conheci-o na prisão. Ele estava lá por não ter pago impostos durante três anos,
se bem me lembro. Eu estava lá por ter robado um carro. Ele ficou lá um ano e
meio, eu fiquei três anos. Obviamente, o advogado dele era melhor do que o meu.
- Obviamente. Mas não penses que não teve
consequências. Conseguiu sair da prisão cedo, sim, mas foi despedido pelo
hospital onde trabalhava, e agora não o aceitam em nenhum hospital do país.
- Não me digas que ele é o cliente.
- Claro que não. Encontrei-o por acaso ontem
e falámos um bocadinho. Ele vai trazer-nos em contacto com o cliente.
- Quem é o cliente, então?
- É estrangeiro, isto é a única coisa que
sei dele.
- E que vai fazer com o menino?
- Queres saber mesmo?
O Passarinho não disse nada, mas fez sinal
com a cabeça para o Maestro continuar. Ele olhou para a porta do quarto onde
estava o Joãozinho, depois voltou para o Passarinho.
- Bom, disse. Vou dizer-te, mas tu não
sabes nada, ouviste? O Talho não sabe que não trabalho sozinho.
- Não te preocupes. Vou manter a minha
boca calada.
- No mundo há muitas pessoas que morrem,
mas que podiam ser salvas se pudessem receber uma transplantação. Mas, para
haver uma transplantação, há de haver órgãos disponíveis. E, sabes onde se
encontram os órgãos disponíveis? Em pessoas que morrem nos hospitais. Mas as
pessoas que morrem nos hospitais não chegam para todas as pessoas que precisam
transplantações. Aliás, há pessoas muito ricas que pagariam muito dinheiro para
encontrar um órgão disponível e que têm o dinheiro para pagar...
- O que estás a dizer? disse o Passarinho.
Estás a falar do mercado negro de órgãos humanos? Vais vender o menino para lhe
arrancarem os órgãos? Não posso acreditar nos meus próprios ouvidos!
- Tu querias saber...
- Não, disse o Passarinho, desculpa lá, isto
não o vou permitir! Sou muitas coisas: ladrão, impostor, raptor, sim, mas
assassino, não!
- Não sejas dramático! Nós somente vamos
vendê-lo...
- Às pessoas que vão matá-lo! Não vou
deixar-te vender o menino àquelas pessoas. Se precisar, eu mesmo vou a Polícia!
- Escuta aqui, imbecil, se não quizeres
participar, a porta está aberta para ti. Posso trabalhar sozinho, não te
preocupes. Mas...
Houve silêncio no quarto.
- Mas, continuou o Maestro, se avisares a
Polícia, fingindo que és um cidadão honesto, podes ter a certeza que o teu
pequeno Tomás...
O Passarinho sentiu como se uma pedra
enorme lhe apertasse o coração.
- Digamos que o teu pequeno Tomás vai
ficar pequeno para sempre, disse o Maestro. Estamos?
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