A Florida sente-se mais sozinha do que
jamais se sentiu. Agora seria óptima ideia se ela também tivesse uma mãe para
perguntar: ó, mãe, o que é que devo fazer para salvar o meu filho? Mas, como já
dissemos no início da nossa história, a Florida pertence àquelas pessoas pouco
sortudas, que desde muito cedo têm de caminhar na vida com os seus próprios
pés, sem apoio de ninguém.
As paredes calam-se. A janela não sente a
sua dor. Os livros que estão na mesa não sabem dizer-lhe nada.
Quanto difícil é decidir! A coisa correcta
seria sem dúvida chamar a Polícia. Mas, por outro lado, aquele homem disse que
se ela chamasse a Polícia, iam matar o seu filho! Meu Deus, não deixes que me
matem o meu Joãozinho, pensa.
De repente se lembra das exigências dos
raptores. Onde vai encontrar o dinheiro que lhe pediram? Nem sequer ter
poupanças. Tudo o que ganha do seu trabalho no café não basta para ter uma vida
decente, muito menos para poupar. Aliás, as pessoas que conhece são também
gente pobre. Mas, mesmo se não fossem pobres, quem lhe emprestaria dinheiro?
Ninguém, esta é a resposta certa. Ninguém
lhe prestaria dinheiro. A Florida inocente já cresceu, não acredita nas fábulas
e sabe perfeitamente de onde vêm os bebés. Sabe também que a sociedade é muito
cruel, especialmente para com os pobres. Não há bondade no mundo, não senhor, e
também não há justiça, porque se houvesse justiça, ela, que não tem nada mais
do que o seu filho, não estaria nesta situação tão difícil e tão triste.
O que vai acontecer, então? Porque, se não
encontrar o dinheiro que os raptores querem... é muito provável... é muito
provável que... (não quer nem sequer pensar nisto) ... que ... (que o matem,
porquê não o diz?)....
Não tem tempo. Os segundos voam, os
minutos correm, as horas passam rapidamente. Muito pronto serão as seis... e
depois as sete... e depois...
Soa o telefone. Mecanicamente, a Florida
levanta o auscultador.
- Boa tarde, senhora Pestana, ouve-se uma
voz que lhe parece conhecida. Como está?
- Bem, responde ela, simplesmente por costume. Quem é?
- Desculpe, claro, não me presentei. Sou o
comissário Santos.
- Alguma novedade, comissário? pergunta a Florida,
pensando que pudesse ter acontecido algum milagre.
- Não, sinto muito, não tenho nenhuma novedade.
Sabemos, claro, os nomes das pessoas que raptaram o seu filho...
- Sabem? Quem são?
- Sinto muito, mas são pessoas com um
passado criminal. Um deles chama-se Manuel Matias e no passado foi condenado
por contrabando, e o outro chama-se Elias Carvalho e é um ladrão de carros, que
foi preso pelo menos duas vezes.
- Isto é boa notícia, não é? pergunta a
Florida. Porque, se os senhores conhecem quem são, é mais fácil encontrá-los.
- Pois, o problema é que não podemos
encontrá-los, pelo menos ainda. Não sabemos onde estão. Mas não se preocupe, espero
muito pronto estar na posição agradável de poder devolver o seu filho à si.
A Florida está indecisa. Se avisar a Polícia,
matam o Joãozinho, pensa. Se não encontrar o dinheiro pedido, também o matam. Falo
ou não falo?
- Senhora, está bem? ouve-se a voz do
comissário Santos. Aconteceu-lhe alguma coisa?
- Não, não aconteceu nada, estou bem,
obrigada.
- Não queria incomodar a senhora, mas
telefonei para lhe dar os meus desejos para o Natal. Oxalá o ano novo, que está
a aproximar, a encontre com o seu filho nos braços. Eu, por minha parte, vou
fazer tudo o que puder.
- Muito obrigada. Que Deus oiça.
- A minha esposa também lhe manda os seus
melhores desejos. Reza por si e pelo seu filho todos os dias.
- Diga-lhe que lhe agradeço a bondade.
- Estive a pensar, diz o comissário, que é
muito provável, já que o seu filho não foi raptado pelo bando brasileiro, que a
senhora receba algum telefonema dos raptores.
Os cabelos da Florida movem-se no seu crânio.
- Se, continua o comissário, se os
raptores vierem em contacto consigo, por favor avise-me.
Se avisar a Polícia, pensa a Florida,
matam-no.
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