A Begonha e o Eugênio foram ao escritório
do doutor Alves. O escritório era muito pequeno e escuro. Havia só uma
secretária, três cadeiras e uma pequena biblioteca com alguns livros. O doutor
Alves recebeu-os cortesmente. Tinha um rabo de cabalo, coisa estranha para um
advogado, mas estava bem-vestido e tinha o ar de uma pessoa que conhece a lei.
O doutor Alves convidou-os a se sentarem
nas duas cadeiras que havia no escritório.
- Para dizer a verdade, estou muito
comovido, disse. Porque em casos como este sinto que faço algo mais do que uma
profissão. Sinto que o que estou a fazer é um serviço à sociedade. Porque com
esta minha intervenção , um menino desgraciado vai ter um futuro.
Enxugou uma lágrima e continuou.
- Eu também venho de uma família muito
pobre, e se não fosse pelo meu querido senhor Felizardo Castro Dos Reis, que se
ocupou de mim como se eu fosse filho seu e que me ajudou financialmente, agora
não sei onde estaria. Devo a minha vida inteira àquele homem, foi como um pai
para mim.
Enxugou mais uma lágrima.
- Para ser sincero, disse o Eugênio, eu
não estava muito a favor desta adopção, mas a minha querida mulher, insistiu
tanto que tive de concordar. Porque, sabe, doutor, as adopções particulares
parecem-me um bocadinho fora da lei...
O advogado pareceu ofender-se.
- Por favor, disse, se isto fosse ilegal,
eu nunca me interviria. Sou uma pessoa séria. Consultei o código legislativo
antes de dar a minha aprovação.
- Aliás, continuou o Eugênio, nós somos
pobres, e por esta adopção vamos dar todas a nossas poupanças. Não vai ficar
nada para o miudo. Não sei se isto é prudente...
- Mesmo assim, disse o doutor Alves, o
menino estará muito melhor convosco. Com o seu pai não vai ter absolutamente
nenhuma oportunidade na vida. Ele não ganha bastante nem sequer para se
sustentar a ele próprio... Os senhores vão ter um posto ao lado do nosso
Senhor, quando vir a hora de deixar este mundo, asseguro-vos.
Alguém bateu à porta.
- Já chegaram, disse o doutor Alves.
Entrem, disse em voz alta.
A porta abriu e entrou um homem com um
menino. O homem era gordo, calvo e tinha grandes bigodes. O menino era magro e loiro.
Era verdade: era como um anjo! Mas não se parecia nada ao seu pai.
- Bom dia, senhor Mendes, disse o doutor
Alves. Bem-vindos. Por aqui estão os senhores Rodrigues, que vão adoptar o
menino.
- Muito prazer, disse o senhor Mendes,
embora a palavra prazer não seja a palavra mais adequada para um pai que se vê
obrigado a se separar da coisa mais importante na sua vida. Mas, a vida é
difícil e...
- Não se preocupe, senhor Mendes, disse o
advogado. Os senhores Rodrigues sabem muito bem a sua situação e não o julgam,
asseguro-lhe.
Os senhores Rodrigues mexeram as suas
cabeças, concordando com o advogado.
- Tenho aqui os papeis, disse o advogado.
A única coisa que falta são as vossas assinaturas. Quanto ao dinheiro, os
senhores Rodrigues vão dar o dinheiro que o senhor precisa para poder continuar
a sua vida como membro honorável da sociedade, com a cabeça alta, não se
preocupe.
- Quero a minha mãe, disse o menino.
- Coitadinho, disse o senhor Mendes e
bocejou. Desde quando perdeu a mãe não a pode esquecer.
- Como te chamas, querido? perguntou a
Begonha.
- Chamo-me João Pestana.
- Que nome tão bonito! disse a Begonha e
bocejou ela também. Mas o teu apelido não é Mendes?
- Bom, disse o senhor Mendes. O seu nome
inteiro é João Pestana Mendes De Olmos, mas ele prefere o apelido Pestana
porque era o apelido da sua pobre mãe...
- A minha mãe está viva, disse o
Joãozinho. Estes dois homens estão a mentir! Têm-me preso num quarto pequeno e
não me deixam voltar à minha mãe, que estará tão triste.... Eu não quero outra mãe!
- Mas como? O senhor Rodrigues não é o teu
pai? Meu Deus, quase não posso falar. Aaaaaa... Desculpe-me. Normalmente não
costumo...... aaaaaaa.... bocejar. É a primeira vez. Aaaaaaaaa...... O que me
aconteceu?
- Eu também, aaaaaaa.... Se pudesse deitar-me
um bocadinho....
- Não se preocupem, senhores, aaaaaaaaa....,
não é nada, só faltam as assinaturas.... aaaaaaaaaaaaaaa...... aqui.....
Os quatro adultos que estavam no
escritório adormeceram. O Joãozinho estava livre.
Apressa-te, Joãozinho, pensou. Tens de
afastar-te deste lugar, antes dos dois homens acordarem. Sem pensar mais, o
menino abriu a porta e saíu correndo.
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