quinta-feira, 17 de outubro de 2013

11. Adopção entre bocejos



A Begonha e o Eugênio foram ao escritório do doutor Alves. O escritório era muito pequeno e escuro. Havia só uma secretária, três cadeiras e uma pequena biblioteca com alguns livros. O doutor Alves recebeu-os cortesmente. Tinha um rabo de cabalo, coisa estranha para um advogado, mas estava bem-vestido e tinha o ar de uma pessoa que conhece a lei.
O doutor Alves convidou-os a se sentarem nas duas cadeiras que havia no escritório.
- Para dizer a verdade, estou muito comovido, disse. Porque em casos como este sinto que faço algo mais do que uma profissão. Sinto que o que estou a fazer é um serviço à sociedade. Porque com esta minha intervenção , um menino desgraciado vai ter um futuro.
Enxugou uma lágrima e continuou.
- Eu também venho de uma família muito pobre, e se não fosse pelo meu querido senhor Felizardo Castro Dos Reis, que se ocupou de mim como se eu fosse filho seu e que me ajudou financialmente, agora não sei onde estaria. Devo a minha vida inteira àquele homem, foi como um pai para mim.
Enxugou mais uma lágrima.
- Para ser sincero, disse o Eugênio, eu não estava muito a favor desta adopção, mas a minha querida mulher, insistiu tanto que tive de concordar. Porque, sabe, doutor, as adopções particulares parecem-me um bocadinho fora da lei...
O advogado pareceu ofender-se.
- Por favor, disse, se isto fosse ilegal, eu nunca me interviria. Sou uma pessoa séria. Consultei o código legislativo antes de dar a minha aprovação.
- Aliás, continuou o Eugênio, nós somos pobres, e por esta adopção vamos dar todas a nossas poupanças. Não vai ficar nada para o miudo. Não sei se isto é prudente...
- Mesmo assim, disse o doutor Alves, o menino estará muito melhor convosco. Com o seu pai não vai ter absolutamente nenhuma oportunidade na vida. Ele não ganha bastante nem sequer para se sustentar a ele próprio... Os senhores vão ter um posto ao lado do nosso Senhor, quando vir a hora de deixar este mundo, asseguro-vos.
Alguém bateu à porta.
- Já chegaram, disse o doutor Alves. Entrem, disse em voz alta.
A porta abriu e entrou um homem com um menino. O homem era gordo, calvo e tinha grandes bigodes. O menino era magro e loiro. Era verdade: era como um anjo! Mas não se parecia nada ao seu pai.
- Bom dia, senhor Mendes, disse o doutor Alves. Bem-vindos. Por aqui estão os senhores Rodrigues, que vão adoptar o menino.
- Muito prazer, disse o senhor Mendes, embora a palavra prazer não seja a palavra mais adequada para um pai que se vê obrigado a se separar da coisa mais importante na sua vida. Mas, a vida é difícil e...
- Não se preocupe, senhor Mendes, disse o advogado. Os senhores Rodrigues sabem muito bem a sua situação e não o julgam, asseguro-lhe.
Os senhores Rodrigues mexeram as suas cabeças, concordando com o advogado.
- Tenho aqui os papeis, disse o advogado. A única coisa que falta são as vossas assinaturas. Quanto ao dinheiro, os senhores Rodrigues vão dar o dinheiro que o senhor precisa para poder continuar a sua vida como membro honorável da sociedade, com a cabeça alta, não se preocupe.
- Quero a minha mãe, disse o menino.
- Coitadinho, disse o senhor Mendes e bocejou. Desde quando perdeu a mãe não a pode esquecer.
- Como te chamas, querido? perguntou a Begonha.
- Chamo-me João Pestana.
- Que nome tão bonito! disse a Begonha e bocejou ela também. Mas o teu apelido não é Mendes?
- Bom, disse o senhor Mendes. O seu nome inteiro é João Pestana Mendes De Olmos, mas ele prefere o apelido Pestana porque era o apelido da sua pobre mãe...
- A minha mãe está viva, disse o Joãozinho. Estes dois homens estão a mentir! Têm-me preso num quarto pequeno e não me deixam voltar à minha mãe, que estará tão triste.... Eu não quero outra mãe!
- Mas como? O senhor Rodrigues não é o teu pai? Meu Deus, quase não posso falar. Aaaaaa... Desculpe-me. Normalmente não costumo...... aaaaaaa.... bocejar. É a primeira vez. Aaaaaaaaa...... O que me aconteceu?
- Eu também, aaaaaaa.... Se pudesse deitar-me um bocadinho....
- Não se preocupem, senhores, aaaaaaaaa...., não é nada, só faltam as assinaturas.... aaaaaaaaaaaaaaa...... aqui.....
Os quatro adultos que estavam no escritório adormeceram. O Joãozinho estava livre.
Apressa-te, Joãozinho, pensou. Tens de afastar-te deste lugar, antes dos dois homens acordarem. Sem pensar mais, o menino abriu a porta e saíu correndo.

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