Vinte e quatro horas não passam
facilmente, especialmente quando uma pessoa conta os minutos, como fez durante
toda a noite a pobre Florida. A alba encontrou-a onde a deixámos nós, sentada
na cadeira, com a camisa do Joãozinho nas mãos.
Os raios do sol caíram nas suas faces
pálidas e obrigaram-na a fechar os seus olhos. Depois, levantou-se e foi ao
telefone. Telefonou ao seu trabalho para dizer que não ia e voltou ao seu
posto.
Foi ao meio-dia quando o seu rosto pareceu
acordar. O sol já estava alto no céu e nas escolas do país as campainhas
soavam, assinalando assim o fim das aulas. Miles de crianças de todas as idades
saíam das aulas e voltavam para casa. Era hora de ir à Polícia outra vez.
Penteou-se, pôs o seu sobretudo e saíu.
E ei-la, agora, que está a andar a grandes
passos na rua. Muita gente, que também está na rua, faz o caminho dela mais
difícil, porque de instante em instante está obrigada a parar para não embater
com alguém. Mas todos os seus movimentos são mecânicos, fazem-se sem ela pensar
neles. O olhar dela permanece vazio, ausente, porque o seu pensamento está
longe. Cuidado!
Um carro que estava a correr por pouco não
a atropela. Felizmente, o condutor pára a tempo. A Florida fica imóvel um
bocadinho e depois continua o seu caminho. Uma mulher pergunta-lhe se está bem.
Ela nem sequer a ouve. O posto da Polícia já está perto. Faltam só alguns metros.
Agora faltam alguns passos. Já não falta nada. Está no escritório do comissário.
Fazer uma declaração de ausência não é uma
coisa fácil, especialmente para uma mãe, porque é como se a mãe aceitasse a
possibilidade de não voltar a ver o filho, e isto é muito doloroso. Mas é uma
coisa que deve ser feito, para a Polícia poder começar as investigaçôes. Então,
a Florida responde a todas as perguntas que lhe fazem.
Se o seu filho tem desaparecido outra vez?
Não, claro que não. Como é? Loirinho, magrinho, alto até aqui (e a Florida leva
a sua mão até à sua barriga) e com olhos azuis. O que levava no dia que
desapareceu? Umas calças azuis escuras, uma camisa amarela de lã e um sobretudo
castanho claro. E um cachecol às riscas. Onde foi que desapareceu? No centro
comercial. Tem alguma fotografia dele? Sim, ei-la.
Um polícia toma nota de tudo o que a Florida
diz. Aponta também a ropa que o Joãozinho levava, embora nós saibamos que esta
informação não vai servir muito, já que o nosso amigo leva outra ropa agora. O
comissário pergunta se a Florida não tem alguma outra fotografia mais recente.
Porque nesta fotografia há uma criança pequena, possivelmente de dois anos e o
Joãozinho tem seis. Infelizmente, não tem. Mas o seu filho não tem mudado, é igualzinho.
Só os dentes de frente mudaram. Do resto é a mesma pessoa.
O comissário toma a fotografia. Não está
muito optimista, mas não diz nada à Florida. Ele também tem filhos e não quer
nem imaginar como seria perdê-los. Está bem, diz. Vão mantê-la informada, que
não se preocupe. Agora já pode ir-se para os deixar trabalhar. Bom dia.
Sem comentários:
Enviar um comentário