domingo, 27 de outubro de 2013

15. Um cumprimento inesperado



- Miau, disse o Cravo, o gato ruivo da dona Amália e saltou sobre a cama dela.
A dona Amália abriu os olhos. Era cedo ainda, mas segundo o Cravo, era já hora de se levantar.
- Bom dia, Cravinho, disse a dona Amália. Como estás hoje?
- Miau, disse ele e continuou a dar voltas sobre a cama.
- É já hora de saires, não é? Bom, então. Levanto-me e abro-te a porta. Não te preocupes.
O Cravo saíu fora para dar a sua volta matinal, e a dona Amália foi à cozinha.
- Bom dia, Rigoleto, cumprimentou o seu canário amarelo, que respondeu, chilrando e dando saltos na sua gaiola. Tudo bem?
O Rigoleto começou uma canção alegre.
- Estás de bom humour hoje, não é, querido? Sim, tens razão. É um dia muito bonito. Frio, sim, mas parece que vai haver sol. E o sol para as pessoas da minha idade é pura benção.
O Rigoleto continuava a cantar.
- Que melodia tão bonita, meu Rigoleto! Nunca mais ouvi outro canário cantar como tu. És um fenómeno, sabes? Espera um bocadinho e vou dar-te água fresca. Depois, vou preparar um ovo para comeres e para te tornares mais forte. Sabes, todos os profissionais da canção comem ovos para manter a voz em boa condição. Que dizes? Pois, não exagero, não senhor. Só digo a verdade.
O Rigoleto deixou de saltar e foi beber água fresca. Cantar sempre provoca sede. A dona Amália escolheu um ovo do frigorífico e pô-lo numa caçarolinha.
- Mais tarde vou dar-te algumas vitaminas que comprei do senhor Perreira no outro dia. Disse-me que são muito boas. Vais ver.
A dona Amália vivia com os seu canário e o seu gato desde que o seu marido morreu. Não tinha filhos e não tinha familiares que vivessem perto dela. Os dois animais, então, que viviam com ela, eram como membros da sua família. Falava-lhes como se fossem humanos e pudessem conversar com ela. E muitos vão dizer que era exactamente assim, porque muitas vezes pareciam perceber o que ela estava a dizer.
Com o Cravo e o Rigoleto, então, a vida da dona Amália era uma vida simples e tranquila. Cada dia fazia as mesmas coisas, mais ou menos. Levantava-se muito cedo, abria a porta para o Cravo sair, mudava a água do Rigoleto e dava-lhe para comer, preparava um cafezinho com pouco açúcar e bebia-o no salão, perto da janela, e depois fazia os trabalhos de casa: limpava a casa, preparava a sua comida, lavava a ropa... O Cravo voltava ao meio-dia com muita fome, ela dava-lhe de comer na cozinha e comia ela também, depois descansavam ambos durante uma hora e pois saíam ao jardim, para ela cuidar as suas flores.
Porque a dona Amália, além do Cravo e do Rigoleto, tinha também muitas plantas e estava muito orgulhosa delas. Era verdade que todas as suas vizinhas olhavam para o seu jardim com inveja, porque elas nem podiam sonhar com um jardim tão bonito. Se houvesse um concurso entre os jardins do bairro, o seu jardim ganharia o maior prémio, sem dúvida alguma.
Certamente, isto não era coincidência, porque a dona Amália adorava as suas plantas e tratava-as como pessoas. Falava-lhes, punha música clássica no rádio para elas ouvirem, porque sabia que as plantas – especialmente as rosas – gostam da música clássica, regava-as frequentemente, dava-lhes adubo para se tornarem fortes, em geral dava-lhes toda a atenção que precisavam.
Quando, então, a dona Amália descansou, depois de ter feito todos os seus trabalhos e de ter comido junto ao Cravo, saíu ao jardim. Nesta época do ano, o jardim não estava na melhor condição possível, porque nesta época do ano, quer dizer no Inverno, as plantas dormem e descansam para poder florecer na Primavera. Mesmo assim, porém, a mulher incansável tinha de ver se tudo estava em ordem.
Saíu, então, ao jardim e começou a falar às suas plantas: Olá, senhor rosmarinho. Tudo bem? Permita-me dizer que hoje tem um aspecto óptimo. Ó, senhora azaleia, hoje a vejo um pouco deprimida. Tem frio? Sim, é verdade, ainda está frio, mas não se preocupe, a Primavera não tardará. Aguente um bocadinho mais, está bem? Que prazer, senhora rosa! Não vejo a hora para a Primavera chegar e para ver as suas flores. Quantos vai dar este ano? Sim, sim, fique tranquila, hoje também vai haver música como todos os dias. Gosta de Verdi? Ó, senhora amendoeira, bom dia! Já está a preparar-se para florecer? Tem sempre tanta pressa! Não se esquece, é muito cedo ainda. Senhor limoeiro, é sempre tão bonito, tem uma beleza que não conhece épocas. E as suas folhas são tão perfurmadas! Mas parece ter sede. Espere um momento e vou regà-lo, não se preocupe.
Assim falando, a dona Amália chegou à camélia. E esta camélia era um milagre da natureza. Era alta, robusta, com folhagem densa e brilhante e estava cheia de botões. Provavelmente a dona Amália teria de cortar alguns botões para fortalecer a planta. Sentia muito que tinha de provocar dor à pobre camélia, mas estava certa que a camélia entenderia. Aproximou-se da camélia e cumprimentou-a.
- Bom dia, senhora camélia, sei que não vai gostar, mas tenho de cortar alguns botões para o resto dos botões se tornarem mais fortes, disse. É para o bem da senhora, a senhora entende, não?
Podem, agora, imaginar a surpresa da dona Amália, quando a camélia lhe respondeu timidamente: Bom dia, senhora!

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