- Miau, disse o Cravo, o gato ruivo da
dona Amália e saltou sobre a cama dela.
A dona Amália abriu os olhos. Era cedo
ainda, mas segundo o Cravo, era já hora de se levantar.
- Bom dia, Cravinho, disse a dona Amália.
Como estás hoje?
- Miau, disse ele e continuou a dar voltas
sobre a cama.
- É já hora de saires, não é? Bom, então.
Levanto-me e abro-te a porta. Não te preocupes.
O Cravo saíu fora para dar a sua volta
matinal, e a dona Amália foi à cozinha.
- Bom dia, Rigoleto, cumprimentou o seu
canário amarelo, que respondeu, chilrando e dando saltos na sua gaiola. Tudo
bem?
O Rigoleto começou uma canção alegre.
- Estás de bom humour hoje, não é,
querido? Sim, tens razão. É um dia muito bonito. Frio, sim, mas parece que vai
haver sol. E o sol para as pessoas da minha idade é pura benção.
O Rigoleto continuava a cantar.
- Que melodia tão bonita, meu Rigoleto!
Nunca mais ouvi outro canário cantar como tu. És um fenómeno, sabes? Espera um
bocadinho e vou dar-te água fresca. Depois, vou preparar um ovo para comeres e para
te tornares mais forte. Sabes, todos os profissionais da canção comem ovos para
manter a voz em boa condição. Que dizes? Pois, não exagero, não senhor. Só digo
a verdade.
O Rigoleto deixou de saltar e foi beber
água fresca. Cantar sempre provoca sede. A dona Amália escolheu um ovo do
frigorífico e pô-lo numa caçarolinha.
- Mais tarde vou dar-te algumas vitaminas
que comprei do senhor Perreira no outro dia. Disse-me que são muito boas. Vais
ver.
A dona Amália vivia com os seu canário e o
seu gato desde que o seu marido morreu. Não tinha filhos e não tinha familiares
que vivessem perto dela. Os dois animais, então, que viviam com ela, eram como
membros da sua família. Falava-lhes como se fossem humanos e pudessem conversar
com ela. E muitos vão dizer que era exactamente assim, porque muitas vezes
pareciam perceber o que ela estava a dizer.
Com o Cravo e o Rigoleto, então, a vida da
dona Amália era uma vida simples e tranquila. Cada dia fazia as mesmas coisas,
mais ou menos. Levantava-se muito cedo, abria a porta para o Cravo sair, mudava
a água do Rigoleto e dava-lhe para comer, preparava um cafezinho com pouco
açúcar e bebia-o no salão, perto da janela, e depois fazia os trabalhos de
casa: limpava a casa, preparava a sua comida, lavava a ropa... O Cravo voltava ao
meio-dia com muita fome, ela dava-lhe de comer na cozinha e comia ela também,
depois descansavam ambos durante uma hora e pois saíam ao jardim, para ela cuidar
as suas flores.
Porque a dona Amália, além do Cravo e do
Rigoleto, tinha também muitas plantas e estava muito orgulhosa delas. Era
verdade que todas as suas vizinhas olhavam para o seu jardim com inveja, porque
elas nem podiam sonhar com um jardim tão bonito. Se houvesse um concurso entre
os jardins do bairro, o seu jardim ganharia o maior prémio, sem dúvida alguma.
Certamente, isto não era coincidência,
porque a dona Amália adorava as suas plantas e tratava-as como pessoas.
Falava-lhes, punha música clássica no rádio para elas ouvirem, porque sabia que
as plantas – especialmente as rosas – gostam da música clássica, regava-as
frequentemente, dava-lhes adubo para se tornarem fortes, em geral dava-lhes
toda a atenção que precisavam.
Quando, então, a dona Amália descansou,
depois de ter feito todos os seus trabalhos e de ter comido junto ao Cravo, saíu
ao jardim. Nesta época do ano, o jardim não estava na melhor condição possível,
porque nesta época do ano, quer dizer no Inverno, as plantas dormem e descansam
para poder florecer na Primavera. Mesmo assim, porém, a mulher incansável tinha
de ver se tudo estava em ordem.
Saíu, então, ao jardim e começou a falar
às suas plantas: Olá, senhor rosmarinho. Tudo bem? Permita-me dizer que hoje
tem um aspecto óptimo. Ó, senhora azaleia, hoje a vejo um pouco deprimida. Tem
frio? Sim, é verdade, ainda está frio, mas não se preocupe, a Primavera não
tardará. Aguente um bocadinho mais, está bem? Que prazer, senhora rosa! Não
vejo a hora para a Primavera chegar e para ver as suas flores. Quantos vai dar
este ano? Sim, sim, fique tranquila, hoje também vai haver música como todos os
dias. Gosta de Verdi? Ó, senhora amendoeira, bom dia! Já está a preparar-se
para florecer? Tem sempre tanta pressa! Não se esquece, é muito cedo ainda.
Senhor limoeiro, é sempre tão bonito, tem uma beleza que não conhece épocas. E
as suas folhas são tão perfurmadas! Mas parece ter sede. Espere um momento e
vou regà-lo, não se preocupe.
Assim falando, a dona Amália chegou à
camélia. E esta camélia era um milagre da natureza. Era alta, robusta, com
folhagem densa e brilhante e estava cheia de botões. Provavelmente a dona Amália teria de
cortar alguns botões para fortalecer a planta. Sentia muito que tinha de
provocar dor à pobre camélia, mas estava certa que a camélia entenderia.
Aproximou-se da camélia e cumprimentou-a.
- Bom dia, senhora camélia, sei que não
vai gostar, mas tenho de cortar alguns botões para o resto dos botões se tornarem
mais fortes, disse. É para o bem da senhora, a senhora entende, não?
Podem, agora, imaginar a surpresa da dona Amália,
quando a camélia lhe respondeu timidamente: Bom dia, senhora!
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