E agora vamos deixar o nosso amigo – que
de qualquer maneira não vai a nenhuma parte – e voamos, com as asas da nossa
fantasia, fora daquele local, por cima da cidade que está a dormir, ninada pelo
sopro do vento da noite. Voamos por cima dos telhados, por cima das cúpulas das
igrejas, passamos por bairros ricos e por bairros pobres, e entramos num bairro
tranquilo, escuro, onde não há luzes acesas. Mas, que é isto? Será luz? Vamos mais
perto para ver melhor. Sim, é verdade. Numa janela há luz. Alguém estará
acordado. Quem será? Entramos?
Dentro de um quarto pequeno, onde há uma
cama, um armário, uma mesa pequena com alguns livros encima e duas cadeiras ao
lado dela, há uma mulher jovem e bonita que está a chorar. Os seus olhos estão
vermelhos por ter chorado muito. Está sentada numa das cadeiras e nas suas mãos
tem uma camisa azul com um jota azul escuro bordado num bolso. Olha a camisa e
chora. É a mãe do Joãozinho.
A pobrezinha não conseguiu fazer nada para
encontrar o seu filho e por isto está tão triste. Quando, no centro comercial,
deu conta que tinha perdido o Joãozinho, e depois de o ter procurado por todo o
lado, foi directamente à Polícia. Pediu ajuda para encontrar o seu filho, mas o
comissário disse-lhe que não podiam fazer nada, sem primeiro não passarem vinte
e quatro horas. Muitas vezes, adicionou, as crianças fogem mas, normalmente
voltam para casa dentro de vinte e quatro horas. Provavelmente o mesmo tivesse
acontecido com o João.
Mas como isto era possível? Eles não
sabiam quanto bom era o seu Joãozinho. Ele não fugiria nunca porque a queria
muito. Aliás, era uma criança pequena e não conhecia como voltar a casa. Como
podiam ser tão indiferentes? Ela chorou, suplicou, ameaçou, mas não conseguiu
nada. O comissário mandou-a para casa, porque se o Joãozinho voltasse e não a
encontrasse, provavelmente ia-se embora outra vez.
Com o coração muito magoado, a Florida
voltou para casa e sentou-se numa cadeira, com a sua atenção virada para fora, procurando
ouvir os passos do seu filho a chegar a casa, dando um salto cada vez que ouvia
algum som fora da porta e depois desiludindo-se quando dava conta que não havia
ninguém. Não comeu nada, nem mudou de postura. Somente quanto caíu a noite,
levantou-se, acendeu a luz, tomou uma camisa do Joãozinho nas mãos como se
fosse ele mesmo e sentou-se outra vez. Nesta postura é que a vemos agora. É uma
pena que não possamos confortá-la.
Fora da janela da Florida, as nuvens
reúnem-se como se tivessem segredos para contar. Talvez estão a falar do
Joãozinho, talvez de algum outro. Mas não parecem ser muito educados, falam
todos juntos, interrompem o um ao outro, alguns falam mais alto, outros começam
a falar mais alto ainda para ser ouvidos, pouco a pouco a situação passa os
limites e começa uma rixa forte. Ouve-se muito barulho, há bofetadas,
palavrões, mas no fim, todo se resolve com um choro enorme.
A Florida ouve os trovões e vê a chuva
forte que cai fora da janela. Pensa no seu filho. Onde estará? Quem estará com
ele para o acalmar, já que tem medo dos trovões? A pobre mulher não pode parar
de chorar e as suas lágrimas são maiores do que as maiores gotas da chuva.
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