domingo, 6 de outubro de 2013

7. Um acordo criminal



O dia seguinte começou muito bem, com o sol brilhando, como se fosse um dia primaveral. O Joãozinho, infelizmente, não podia vê-lo, porque, como já dissemos, o quarto onde estava não tinha janelas. Mas isto não o impediu de acordar de bom humour. Tinha sonhado com a mãe. Estavam os dois no centro comercial. Ele brincava numa loja de brinquedos e de repente, veio a Florida e regalou-lhe um carro vermelho, todo para ele. Ficou tão feliz!
Quando acordou, claro, o bom humour sumiu. Estava ainda naquele lugar horrível, sozinho na cama, porque o Passarinho já se tinha levantado e tinha saído do quarto.
Deixaram-no dez minutos na casa de banho, que cheirava mal e onde também havia uma barata que se escondia atrás da sanita, e deram-lhe calças de ganga, que lhe ficavam compridos, e uma camisola de lã vermelha. Também lhe  deram um copo de leite – quente, desta vez –, e um pastel de nata. Depois, mandaram-no ao seu «quarto», fecharam à chave, e deixaram-no sozinho em casa, com a advertência de parte do Maestro de portar-se bem durante a sua ausência, ou vê-lo-ia como nunca mais, ninguém o tinha visto. Depois disto, e dado que não sabia como romper a fechadura, o pobre Joãozinho ficou sentado na cama, sem ter nada para fazer além de rezar. E enquanto ele rezava, os dois raptores foram à procura de clientes.
O Maestro conhecia um tipo que trabalhava como porteiro num orfanato. O homem chamava-se Nuno e além de trabalhar pelo orfanato trabalhava por conta própria também. Se, por exemplo, aparecesse um casal que queria adoptar um menino do orfanato, ele, sabendo bem que o processo normalmente levava mais tempo do que o casal estava preparado para aguentar, oferecia-se para ajudar a reduzir este tempo. O tempo que o casal «poupava» assim, dependia do dinheiro que estava disposto a pagar. Até houve alguns casos, onde o processo da adopção durou menos de um mês. Está certo que aqueles casais, além de ter muita sorte, tinham também muito dinheiro.
Mas houve também muitos casos, onde ninguém obteve o que queria: nem o Nuno ganhou dinheiro, nem o casal obteve um filho. E foi nestes casos onde o Maestro punha todas as suas esperanças. Porque, se houvesse um casal completamente decepcionado pelas vias legais de adopção, seria uma vítima ideal e compraria sem mais nem menos aquele menino antipático.
Passou um dia inteiro fora do orfanato, mas sem sorte alguma. Ninguém visitou o lugar naquele dia, e o Maestro ficou preocupado. Como diz o provérbio «tempo é dinheiro». Quanto antes conseguisse vender o menino, tanto melhor seria para ele. Mas o tempo passava sem resultados e isto não era bom sinal. Pensou nos prós e contras de cada opção que tinha enfrente e decidiu pedir a ajuda do Nuno. Claro, a ajuda do Nuno costava, mas ele estava preparado a pagar qualquer preço.
Tocou a campainha. O Nuno apareceu na porta, dizendo que já passava da hora das visitas, mas quando reparou no Maestro parou de falar e fez um gesto que somente eles dois sabiam como decifrar.
Meia hora mais tarde, os dois encontraram-se num parque perto do orfanato. Depois das primeiras palavras típicas de qualquer encontro, chegou a hora de falar de negócios. O Nuno não era tipo de perder tempo e o Maestro tinha pressa. Então, o Maestro pediu a Nuno para lhe dar alguns datos de casais que tinham passado pelo orfanato ultimamente sem conseguirem adoptar nenhum órfão. O Nuno pediu comissão, exactamente como esperava o Maestro.
- É pouco, disse o Nuno quando o Maestro lhe disse o que lhe oferecia.
- Pelo contrário, respondeu ele. É muito mais do que ganhas em seis meses pelo menos, ou me equivoco?
- O custo depende do risco. Sabes muito bem que se me apanharem vou perder o meu trabalho. Tu que vais perder? Absolutamente nada. Ou me equivoco eu?
- E que é o que queres? Diz-me lá.
- Vinte por cento.
- És um ladrão!
- Ladrão, eu? Deus me livre! Eu sou simplesmente um fornecedor de informação. O ladrão és tu, querido Manuel. Ou, preferes o título de raptor?
- Fala mais baixo, idiota! Nem a ti te serve que nos oiçam. E não digas o meu nome verdadeiro outra vez. Chamo-me Maestro, percebeste?
Olhou para um lado. Duas mulheres passavam falando em voz baixa. Os dois homens calaram e quando as duas mulheres se afastaram bastante, recomeçaram a falar.
- O preço não se negocia, disse o Nuno. Vinte por cento é o preço para os amigos. Se não te conhecesse, pedia pelo menos trinta.
- Não posso dar-te tanto, disse o Maestro. Se te dar vinte por cento, não vai ficar quase nada para mim.
- Achas que sou estúpido, ou quê?
- Não, claro que não. O que te digo é a pura verdade.
- Pois eu acho que na vida há muitas verdades. A minha verdade, por exemplo, diz que se estamos aqui a negociar o preço da informação que te posso dar é porque tu não podes estar com um cliente a negociar o preço de um menino. E sabes porque não podes negociar com o cliente? Simplesmente, porque não há cliente. E não há cliente, porque trabalhas sozinho, senão agora os teus sócios teriam encontrado pelo menos um cliente para ti.
Olhou directamente nos olhos do Maestro.
- Ou me equivoco? adicionou.
O Maestro não disse nada. Odiava não poder controlar a situação. Este Nuno era sempre muito difícil. O problema era que precisava dele.
- Bom, disse o Nuno, não acho que tenhamos mais para dizer. Sabes muito bem onde me podes encontrar. Adiós.
- Espera, canalha, está bem. Vinte.
Os dois homens deram as mãos.
- Às seis, disse o um.
- Às seis, repetiu o outro.
Desde o ramo mais alto de um choupo, ouviu-se o canto de um cotovia, selando o acordo.

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