A senhora Begonha Rodrigues estava a ver televisão.
Estava a ver uma telenovela brasileira. Adorava as telenovelas, porque sempre
terminavam bem. Pela mesma razão não gostava das notícias, porque quase sempre
eram más. O seu marido, porém, odiava as telenovelas e adorava as notícias. E o
futebol. Às vezes, não sabia porque tinham casado. Que tinham em comum, se nem
sequer um programa da televisão podiam ver juntos?
Mas a verdade é que o Eugênio era um
marido quase exemplar. Era honesto, trabalhador, não bebia, não jogava às
cartas como o marido da infeliz da sua irmã, não a batia, como faziam outros
maridos... Era um marido como poucos e seria um pai muito bom, também, se Deus
quisesse dar-lhes um filho. Mas, já eram casados havia quase vinte anos e,
infelizmente, não tinham filhos.
Tinham ido a muitos médicos, tinham feito
inumeráveis análises, sem conseguirem nada. Depois de muitas decepções,
pensaram em adoptar uma criança. Mas, nem isto conseguiram. No orfanato, onde
foram para ver se poderiam adoptar um órfão, disseram-lhes que não satisfaziam
as condições. Eram maiores de idade e o orfanato preferia dar as crianças a
casais mais jovens. E o amor que eles tinham para dar? Conta-se o amor pela
idade que se tem? Sentiam-se muito, disseram, mas havia regulamentos. Que se
pode dizer? Algumas pessoas não têm nada de sorte.
O telefone soou justamente quando a Marina,
a protagonista da telenovela, visitou o dom Rogério para lhe revelar que ela
era a sua filha perdida. A Begonha, baixou o som da televisão e pegou a sua
orelha no auscultador.
- Estou, disse mas isto não era
exactamente a verdade, já que a Begonha estava na televisão. A Marina estava a
chorar. O dom Rogério parecia muito surpreendido. Estou, disse outra vez.
Do outro lado da linha ouviu-se uma
desconhecida voz masculina.
- Boa noite, disse a voz. Estou a falar
com a senhora Begonha Rodrigues?
- Sim, senhor, sou eu. E o senhor, quem é?
- É verdade, continuou a voz, que a
senhora, junto ao seu marido, visitou o orfanato «O bom Jesús» no mês passado?
O coração da Begonha deu um salto. Na
televisão, o dom Rogério abraçou a Marina.
- Sim, é verdade, sim senhor. Mas, com
quem estou a falar, se faz favor?
- Doutor Alves, seu servidor.
- Doutor Alves? Não conheço nenhuma pessoa
deste nome.
- Sim, é verdade. A senhora não me
conhece.
- E que é que o senhor quer de mim?
- A senhora não conseguiu adoptar nenhum
órfão do orfanato, não é verdade?
- Sim, é, mas o senhor que tem a ver com
isto?
- Vou entrar directamente no tema, senhora
Rodrigues. Já que a senhora não conseguiu adoptar um menino a causa do regulamento
do orfanato, estaria interessada por uma adopção particular?
- Particular, como?
- Eu sou advogado. No outro dia recebi a
visita de um senhor, que tem um filho de seis anos. O senhor é viuvo há dois
anos e há alguns meses perdeu o seu trabalho também. Não tem meios económicos
para poder oferecer ao seu filho o que devia e pensou em dar o seu filho para
ser adoptado por uma família boa. Assim, o seu filho vai ter toda a atenção que
merece. Então, o senhor pediu-me para eu encontrar um casal que fosse
interessado. Dado que tenho um primo no orfanato, pedi-lhe os datos dos casais
que passaram por ali sem conseguir adoptar um filho. A senhora e o seu marido
parecem o casal ideal para a criança.
- Mas o meu marido e eu, já não somos
jovens. Talvez não seja boa ideia...
- Mas que ideia tão absurda! Ao contrário,
senhora Rodrigues, quem mais podia amar uma criança tanto como uma mulher que é
madura e estável e tem experiência e sabiduria? Eu acho que a senhora é a mãe
ideal para aquele menino. E, falando do menino, a senhora deve saber que se
trata de um menino muito bom, loirinho como um anjo...
Loirinho, pensou a Begonha, como é o
Eugênio! Que sorte! E, sim, era verdade: quem mais podia amar o menino como
ela?
- E como podemos adoptá-lo? perguntou.
- Então, a senhora está interessada?
- Estou, sim.
- Neste caso não deve preocupar-se. Eu vou
ocupar-me da parte burocrática da adopção. Vou falar com o pai, vou preparar os
papeis, os senhores não deverão fazer quase nada. Somente...
- Somente, quê?
- Bom, o pai do menino foi obrigado a
pedir dinheiro emprestado quando a sua mulher adoeceu, há quatro anos. Depois, ficou
sozinho com o seu filho e precisou de mais dinheiro. Mais tarde, perdeu o
trabalho e a sua situação piorou. Agora já deve muito dinheiro e não sabe como
o devolver. É provável que vá à cadeia se não pagar o que deve.
- É muito? Quanto é?
Quanto? A Begonha pensou nas suas
poupanças que quase não chegavam para pagar a soma.
- É muito, disse.
- Sim, o dinheiro emprestado não foi
tanto, mas com os juros...
- Mas nós somos gente pobre. Não temos
tanto dinheiro.
A Begonha sentiu que o anjo loiro estava a
afastar-se dela.
- Vou ver o que posso fazer, disse o
advogado. Entretanto, a senhora converse com o seu marido e pensem no assunto.
Amanhã telefono-lhe outra vez. O pai tem pressa e há mais três casais que devo
considerar. Boa noite.
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