Longe da sua casa, o Joãozinho acordou
assustado. Que trovões, meu Deus! Onde estava a sua mãezinha querida? Começou a
chamá-la, várias vezes. Então, ouviu-se um trovão e a porta do quarto abriu.
- Não te disse para ficares tranquilo?
disse o Maestro. Porque gritas? Não sabes que quando chove há trovões? Pára com
os gritos, ou não acabas bem, aseguro-to. Percebes, ou estou a falar para o
boneco?
- É apenas uma criança, disse o Passarinho
que entrou também no quarto. As crianças têm medo dos trovões. O meu Tomás...
- Pára tu também com o teu Tomás! Preciso
de dormir e se este miudo não me deixar dormir, não vou poder trabalhar amanhã!
Preciso de ter a cabeça clara, para conseguir encontrar um cliente que valha.
O Passarinho olhou para o Joãozinho. Ele
continuava a chorar, mas muito baixo, como se estava a murmurar. O seu Tomás
também tinha medo dos trovões. Sentiu compaixão pelo menino.
- Anda tu, disse ao Maestro, e eu fico com
o miudo. Não vai gritar mais. Anda!
- Tu não és homem, disse o Maestro enquanto
saía do quarto. Vou fechar à chave.
Fechou a porta.
- O que é isto, menino? perguntou o
Passarinho. Não sabes que não deves ter medo dos trovões?
O Joãozinho olhou para ele. Sabia a
história do tambor do céu?
- A minha mãe diz que os trovões são o
tambor do céu, disse a voz baixa.
- É? disse o Passarinho e bocejou
levemente. Pois, a minha mãe dizia que quando chove é porque Deus está a chorar
pelos nossos pecados.
- Que significa «pecado»? perguntou o
menino.
- Más acções, disse o homem e ficou
pensativo. Bocejou outra vez. Enfim, não é hora para falar sobre tambores e
pecados. Mexe-te, vai mais perto da parede, vamos dormir juntos.
O homem gordo deitou-se na cama e abraçou
o menino para os dois caberem melhor.
- Vamos dormir, repetiu.
O Joãozinho fechou os olhos. O corpo do
Passarinho era quente e fofo. O Passarinho fechou os olhos também. O corpinho
do Joãozinho era muito magro, como uma marioneta de madeira. O seu Tomás era
muito magro também.
Na cama, os dois corpos abraçados estão a
dormir. Os dois parecem ser muito bem-amados entre si, exactamente como são
bem-amados entre si um pai ou uma mãe e o seu filho. Porque, se pudéssemos
entrar no coração de cada um, veríamos que o Joãozinho está com a Florida e que
o Passarinho está com o seu pequeno Tomás.
Numa casa pequena, não muito longe do
lugar onde está o nosso amigo, o senhor Pedro Pinheiro, empregado laborioso de
uma empresa têxtil durante vinte e nove anos, volta à sua cama, depois de ter
visitado o quarto de banho, por causa do próstata. A Gertrudes, a sua mulher, está
acordada também.
- Onde estavas? pergunta.
- Na casa de banho.
- Está a chover ainda?
- Não, ainda não. Foi uma tempestade e já terminou.
- Que horas são?
- As quatro e vinte. Volta a dormir. É
cedo ainda.
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