O senhor Filisberto era um homem que gostava
de estar informado sobre a actualidade. Cada dia, quando ia ao seu café
preferido, sentava-se na sua mesa e abria o seu jornal para se informar sobre o
que acontecia no mundo. Depois, quando chegavam os seus amigos, para tomar café
e para jogar a dominó, ele informava-os sobre as últimas notícias,
comentando-as também.
Hoje também o senhor Filisberto está no
seu posto, a ler o seu jornal. O jornal de hoje não é muito diferente do jornal
de ontem. Decisões do governo, reacções de sindicatos, declarações de pessoas
de política, artigos de economia, de ciência... Os amigos dele jogam ao seu
lado, comentando a partida. O senhor Filisberto responde, às vezes, mas é,
quase completamente, absorbido pelo que está a ler. «Aumentou-se a diferença
entre ricos e pobres.» Que novidade! «Novos datos provam que o nível de vida
baixou.» Não me digam! «Menos sono significa menos éxito em todos os aspectos
da vida. Os segredos para um sono benéfico.», «A depressão. Uma doença do nosso
tempo.»
- O que há no jornal, Filisberto? pergunta
o senhor José. Alguma novidade?
- A mesma coisa, mais ou menos, responde
ele. A depressão, diz, é uma doença do nosso tempo.
- Nenhuma novidade, então. Porque não
deixas de ler? Joga connosco.
- Não é assim. As pessoas têm de se
manterem informadas. Ainda não li o jornal inteiro. Pode haver alguma coisa
interessante. Vocês continuem.
- Eu também lia o jornal todos os dias, diz
o senhor Rodrigo, o outro amigo do senhor Filisberto. Chegou, porém, um dia,
quando pensei que as notícias que são verdadeiramente importantes não estão nos
jornais. A vida está fora dos jornais, não está dentro deles.
- A vida não está dentro dos livros
também, mas gostas de ler livros, responde o senhor Filisberto.
- Sim, mas os livros não pretendem tomar o
posto da verdade. Quando leio um livro, sei muito bem que se trata de ficção.
À duas mesas dos três homens, a Florida
está a limpar. Terminou o seu trabalho na cozinha e está a limpar as mesas
vazias do café. Tudo o que faz é feito mecanicamente. Os seus pensamentos
viajam longe dela. Dois dias já passaram e não há nenhuma notícia do
comissário. Talvez tenha de visitá-lo outra vez. Sim, hoje mesmo, quando
terminar o seu trabalho, vai directamente à Polícia. Não pode esperar mais.
Qualquer informação sobre o seu filho, ajuda-la-á a aguentar aquele martírio.
- Eis uma notícia diferente, diz o senhor
Filisberto. «Bando criminal brasileiro com ligações no nosso país. Procuram-se
pelo menos dez pessoas. A Polícia brasileira declarou que foi descoberto um
perigoso bando criminal. Os criminais do bando cometeram muitos crimes durante
a última década. Entre os vários crimes que cometeram, também foram implicados
em casos de raptos infantis, especialmente no Brasil. Os casos não estão
resolvidos ainda mas a Polícia receia que os meninos fossem raptados com a
intenção de fornecer o mercado negro com órgãos humanos. O comissário Aristides
Ramos, chefe das investigações, informou o nosso correspondente que a Polícia já
está à procura das ligações portuguesas. Segundo o comissário, é provável que o
bando tivesse procurado vítimas no nosso país também.» Em que mundo vivemos,
meu Deus! Mas, o que aconteceu? A mulher desmaiou! Água, por favor!
- Senhora, está bem? Senhora, o que
aconteceu?
- Florida, o que aconteceu, querida?
Ouves-me? Florida!
- Eis a água! Por favor, façam espaço. Não
vêem que a mulher desmaiou?
- Há algum médico?
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